Kennst du das Land, wo die Zitronen blühen,
Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühen?
Kennst du es wohl? — Dahin, dahin!
Möcht ich... ziehn.
[Conheces o país onde florescem as laranjeiras?
Ardem na escura fronde os frutos de ouro...
Conhecê-lo? Para lá, para lá quisera eu ir!]
Goethe (tradução de Manuel Bandeira)
Terminei o último post com a mais-que-famosa Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. Não que agora eu me sinta um exilado. Longe disso, estou aqui por vontade e com muito gosto. Mas aqui, longe de casa e de todos que eu amo, senti a poesia do poeta maranhense "fazer folia em minha vida". Uma saudade boa, de quem passa a ter um olhar distante e afetuoso de sua terra natal.
Acredito que esse seja um sentimento universal. O lugar onde nascemos é e deve ser "cantado" em verso e prosa, pois é para lá que sempre desejaremos voltar. Ele nos constitui. Passa a nos pertencer, tornando-se o lugar em que um dia seremos (mesmo que idealisticamente) felizes. Atento a isso, Golçalves Dias escolheu, como epígrafe de sua Canção do Exílio, esses versos de Goethe, o maior poeta alemão, retirado do romance Os Anos de Aprendizagem de Wilhem Meister.
Mas o que me fez citar Gonçalves Dias? Coloquei essa questão no último post, mas - apesar da evidente identificação com o conteúdo do poema - a pergunta ficou sem resposta. Pois descobri que esse poeta também saiu um dia de sua terra natal para estar aqui, a estudar nessas mesmas salas e a frequentar essas igrejas e bibliotecas que agora percorro embasbacado de tanto deslumbre.
Isso ocorreu entre os anos de 1840 e 1845. Graduou-se em Direito por essa mesma faculdade que agora ingresso. Para qualquer acadêmico apreciador de História e Literatura, doutorar-se em uma instituição como essa é um sonho!
Certamente à época de Golçalves Dias e de Goethe, distanciar-se de sua terra para realizar estudos não devia ser um empreendimento fácil (e eu reclamando do meu vôo da TAP de breves 11 horas. Imaginem como deveria ser em 1840!). Também naquela época não havia internet, skype e telefone para amenizar saudades. Apenas o papel e a escrita. E com esses parcos recursos, Gonçalves Dias, em 1843, aqui em Coimbra, fez aquele belíssimo poema, que se tornou um dos maiores símbolos de afirmação da identidade de um país ainda em construção.
Hoje, palmeiras e sabiás podem ser perfeitamente metáforas de tudo que em meu país tem mais: calor, amor, sabor, hospitalidade, tolerância, praias, florestas, bichos, música...
Certamente nunca terei a notoriedade de Gonçalves Dias, mas estudar na mesma universidade que ele estudou há mais de 240 anos faz sentir-me cheio de orgulho. Que o meu caminhar aqui seja de crescimento e, quando eu voltar à minha terra cheia de palmeiras e sabiás, possa eu também fazer ela crescer e se tornar um lugar melhor para se viver. Ok, as coisas não são tão românticas assim, os problemas são vários e tudo parece impossível de se resolver. Mas eu QUERO fazer a diferença, pelo menos no que me couber como cidadão, filho, irmão, amigo, vizinho, policial, professor, chefe, subordinado...
Então, voltando à visita guiada que nos foi proporcionada após a aula inaugural, acredito que três lugares merecem destaque e valem a pena eu compartilhar aqui.
Após a aula, fomos "entregues" a uma mulher muito simpática que foi nossa guia turística na visita aos espaços históricos da Faculdade de Direito. De início, uma coisa que gostei de saber é que nos primórdios da Universidade de Coimbra, onde hoje é a Faculdade de Direito, havia uma palácio real e durante muito tempo ele funcionou juntamente com a universidade. Por isso que junto à Faculdade há igrejas e tudo é tão pomposo. Isso explica também porque há, nas salas mais antigas, um tipo de "camarote" ao alto do lado contrário à lousa. A guia nos falou que esses espaços eram destinados à fiscalização das aulas, realizadas esporadicamente pelo rei ou pela rainha. Pois é, também fiquei chocado!
Como eu havia dito, três são os pontos altos de qualquer visita a essa parte da Universidade: a Biblioteca Joanina, a Capela de São Miguel e a Sala dos Capelos. Vamos lá!
A Biblioteca Joanina (o nome faz alusão a D. João V, o Magnânimo, o rei mecenas em cujo reinado essa biblioteca foi concluída) integra o conjunto arquitetônico daquela praça principal da Faculdade. Seu exterior é lindo, como abaixo se vê.
Mas a fachada em nada se compara com o seu interior. Ao entrarmos, ficamos meio sem fôlego, pelos detalhes (a maioria em OURO) e pelos móveis e estantes (em madeira NOBRE). Tudo, é claro, proveniente do BRASIL, que naquela época se encontrava no auge da exploração e do extrativismo realizados por uma certa METRÓPOLE. Isso sem falar nos afrescos e pinturas que integram a biblioteca. Além, obviamente, dos livros: um acervo de obras raríssimas, como uma das primeiras edições dos Lusíadas, de Camões. Ah, é possível consultar todo o acervo, com muitos dos livros em latim. Para isso, é claro,você precisa justificar a consulta e utilizar luvas e apetrechos especiais.
As fotos abaixo dão uma ideia, mas nunca a sensação de vê-la em cores, ouro e madeira. O fato de tudo ter vindo do Brasil torna essa sensação estranha, misto de admiração pelo belo e de repúdio por um passado tão inglorioso de nosso país.
Mas o mais inusitado (e confesso que fiquei inicialmente indignado) foi o que a guia nos informou em meio à sua exposição. Certa hora ela nos fez a seguinte pergunta: o que é indesejado e perigoso para uma biblioteca? Pensei várias coisas: fogo, umidade, gente chata conversando alto...
Então ela própria respondeu: insetos, principalmente traças e cupim. Ok, isso é realmente terrível para os livros e a madeira. Entretanto, o método que eles utilizam até hoje, pasmem, é o seguinte: para se combater esses insetos, criamos MORCEGOS aqui dentro da biblioteca. Pensei a princípio que era uma piada, mas não foi.
Segundo ela, os morcegos ficam no alto, atrás das estantes. Por sua natureza, saem apenas à noite, quando comem os insetos. Simples assim! Mas, lembrando do que os morcegos faziam nas paredes da minha casa, logo pensei naquilo que vocês certamente estão pensando. Mas antes de eu perguntar como eles fazem com isso, ela já foi logo nos falando que todos os dias, no início da noite, eles cobrem todas as mesas e cadeiras com um pano (e mostrou o pano) para que as "coisas" não as sujem. Tudo bem que ao tempo de Cabral, D. João V e companhia não houvesse métodos mais eficientes e menos, humm, sujos de combater insetos. Mas hoje?
Depois pensei bem, ah vai, é um método ecologicamente correto e, afinal, estamos em Coimbra. Manter as tradições é a sua marca. Mas se eu tiver que consultar algum livro de lá eu não sento naquelas cadeiras não!!
Após isso fomos a um andar abaixo da biblioteca. Lá há um local com mais livros e onde são feitos reparos e coisas dessa natureza. Um espécie de depósito, mas tudo muito organizado. Mas a surpresa maior foi quando descemos mais um andar. Ela nos apresentou o local onde havia uma Prisão Acadêmica. Sim, naquela época os alunos iam em cana por alguns "delitos". Ficamos curiosíssimos com isso e perguntamos por quais motivos os alunos iam presos. Foi-nos informado que geralmente por faltas e por destruir materiais e livros da universidade. Além disso, era uma espécie de prisão exclusiva para onde eram mandados os integrantes da comunidade acadêmica. Por sorte nossa, não há mais prisões e a cadeia foi desativada há muito tempo! Para quem desejar, um pequeno vídeo com explicações e imagens da inusitada prisão: Prisão Acadêmica de Coimbra
Na sequência fomos para a Capela de São Miguel. Fica localizada também no conjunto que forma a praça. Seu interior é um primor. As paredes são revestidas de azulejos portugueses. O pé direito é bem alto e o altar é belíssimo. Mas o que chama a atenção mesmo é o IMENSO órgão aposto na parede. Pelo que entendi, o órgão não foi feito para aquela capela, que tem dimensões diminutas. Caberia melhor em uma catedral. Mas por megalomania de um rei, foi determinada a sua afixação lá. Olha, o órgão é lindo, acho que o mais belo que já vi, mas, mal comparando, é como colocar um peru para servir em um pires. Mas no final das contas, até que deu um charme especial à capela.
E, para terminar a visita, fomos à famosa e ultratradicional "Sala dos Capelos". A sala mais nobre e prestigiada de toda a universidade, onde, além dos grandes eventos diplomáticos, acontecem as defesas de tese do doutoramento. A entrega de títulos de doutor honoris causa também acontecem aqui. Foi nessa sala que nosso ex-presidente recebeu esse título. Ok, nem tudo é perfeito em Coimbra!
Nessa sala acontecem não apenas as defesas de doutorado em Direito, mas de toda a Universidade de Coimbra. Esse momento parece ser um acontecimento por aqui, cheio de cerimonias e simbolismos. O cenário é mais ou menos o seguinte: há um júri, composto por uns cinco doutores, todos vestindo um traje de capa preta (similar ao dos alunos) e com chapéus (os capelos, que dá nome à sala e é símbolo da sapiência). Há também um tipo de trono (sim, acho que já foi trono de rei mesmo), onde fica sentado o Magnífico Reitor da Universidade, igualmente paramentado e todo de preto. O ambiente é (propositalmente) intimidador!!
A visita ocorreu por um corredor, ao alto, que circunda e dá visão a toda a sala. No momento de nossa visita estava ocorrendo uma defesa. A coitada da doutoranda estava como que num banco dos réus, isolada no centro da sala e sentada de frente para a banca de defesa (o júri). A sala é muito alta e não há muita iluminação. Na mesa onde ela estava sentada havia um abajour, com uma luz fraca, o que deixava o clima ainda mais sinistro. A guia fez questão de ressaltar uma coisa: "notem que o júri posiciona-se em um local elevado. De onde o candidato está ele fica na altura de onde estão os pés dos membros do júri, significando que ele ainda não se encontra no mesmo nível dos doutores". Que medo!!! Nem gosto de pensar nisso agora. Daqui a cinco anos será a minha vez. Comecei a rezar desde aquele dia!
Bem, é isso! Agora basta estudar (muito) e tentar aproveitar tudo por aqui. Como disse, espero voltar uma pessoa melhor para o Brasil. Mas, de qualquer forma, voltar! Certamente esse também foi o desejo de Gonçalves Dias quando por aqui esteve. Tanto que deixou isso registrado nos mais bonitos versos de seu poema:
"Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá."
Pobre Gonçalves Dias, que não teve sua prece atendida e, por ironia do destino não conseguiu, em seu regresso ao Brasil, avistar palmeiras e ouvir sabiás. Morreu em 1864, em um naufrágio na costa brasileira, após voltar da Europa onde esteve para tratamento de saúde. Salvaram-se todos, exceto o poeta, que foi esquecido agonizando em seu leito e se afogou.
O céu há de ser um lugar democrático e feliz. Graciliano Ramos reservou até um pedaço dele, creio de preás, para que descansasse sua sofrida cachorra Baleia. Para Gonçalves Dias, assim como para todos nós, o céu é a nossa verdadeira terra natal, para onde todos desejamos e iremos um dia voltar. Lá deve haver uma floresta de frondosas palmeiras, onde em dias ensolarados e de céu azul os sabiás devem voar e cantar juntamente com um coro de anjos de cabelos encaracolados... Amém!
Continuo gostanto muito de seus relatos.Ontem estive com seus pais e descobri que seu pai esta mais emotivo que sua mãe, ele ainda não conseguiu ler seu blog pois desata a chorar. Aguardo agora o relato do aluguel do apt e a compra de utensilios domesticos. Beijos.
ResponderExcluirMaria Celia Abreu
Ai Célia, não fala isso... o coração aperta!!
ResponderExcluirQuanto aos próximos posts, vou me esforçar para não tornar esses assuntos desinteressantes um relato enfadonho.
Beijos
Não sei o que foi melhor nesse post, o poema de Gonçalves Dias, a referência a Goethe, ou a propria história. No mais, acho que tudo ficou igualmente interessante.
ResponderExcluirNosssa... uma viagem ao passado... e as fotos ilustram de forma muito real.
ResponderExcluirVou citar Guimarães Rosa: "o difícil não é a partida e nem a chegada, o difícil mesmo é a travessia".
Que a sua travessia, nesse novo ciclo de sua vida, seja amena.
Abraços e boa semana
Rosa Maria Campos
Depois da segunda leitura deste post, me sinto(talvez) pronto pra expor meu comentário.
ResponderExcluirCitou em determinado momento diversos adjetivos que hoje existem em nosso país, mas o que sobressaiu aos meu olhos, foi a TOLERÂNCIA, que no meu ponto de vista quase que iguala-se à comodismo. Um país LINDO mas sujo, mas de toda forma o amo.
Mais um post incrível! Uma aula.
Achei este pensamento de Goethe propício para o momento em que você está vivendo. Já que o citou em seu post:
"No momento em que nos comprometemos, a providência divina também se põe em movimento. Todo um fluir de acontecimentos surge ao nosso favor. Como resultado da atitude, seguem todas as formas imprevistas de coincidências, encontros e ajuda, que nenhum ser humano jamais poderia ter sonhado encontrar. Qualquer coisa que você possa fazer ou sonhar, você pode começar.
A coragem contém em si mesma, o poder, o gênio e a magia.”
Parabéns e reflita.
Bruce, seu comentário me enche de entusiasmo e força para continuar. Obrigado de coração!
ResponderExcluirCaro Silvagner,
ResponderExcluirConheci seu blog por indicação de meu Avô, um grande admirador da boa escrita. Aliás, ele sempre me disse para escrever minhas experiências em terras lusitanas, mas fui sempre dixando para depois e depois.
Também sou de Vitória e faço um doutorado em Lisboa.
Passarei mais vezes por aqui. Parabéns pela iniciativa.
Boa estada!
Abraço
Allan Nascimento
Olá Allan,
ResponderExcluirFico muito feliz e honrado com sua visita por aqui. Ainda mais sabendo que você é um conterrâneo. Agradeça a seu avô pela indicação.
Quando estiver por esssas bandas e quiser fazer contato, será um prazer conhecê-lo pessoalmente.
Meu email é silvagner@hotmail.com
Um grande abraço,
Silvagner