domingo, 23 de outubro de 2011

Sobre palmeiras, sabiás e morcegos

Kennst du das Land, wo die Zitronen blühen,
Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühen?

Kennst du es wohl? — Dahin, dahin!
Möcht ich... ziehn.

[Conheces o país onde florescem as laranjeiras?
Ardem na escura fronde os frutos de ouro...
Conhecê-lo? Para lá, para lá quisera eu ir!]


             Goethe (tradução de Manuel Bandeira)



Terminei o último post com a mais-que-famosa Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. Não que agora eu me sinta um exilado. Longe disso, estou aqui por vontade e com muito gosto. Mas aqui, longe de casa e de todos que eu amo, senti a poesia do poeta maranhense "fazer folia em minha vida". Uma saudade boa, de quem passa a ter um olhar distante e afetuoso de sua terra natal.

Acredito que esse seja um sentimento universal. O lugar onde nascemos é e deve ser "cantado" em verso e prosa, pois é para lá que sempre desejaremos voltar. Ele nos constitui. Passa a nos pertencer, tornando-se o lugar em que um dia seremos (mesmo que idealisticamente) felizes. Atento a isso, Golçalves Dias escolheu, como epígrafe de sua Canção do Exílio, esses versos de Goethe, o maior poeta alemão, retirado do romance Os Anos de Aprendizagem de Wilhem Meister.

Mas o que me fez citar Gonçalves Dias? Coloquei essa questão no último post, mas - apesar da evidente identificação com o conteúdo do poema - a pergunta ficou sem resposta. Pois descobri que esse poeta também saiu um dia de sua terra natal para estar aqui, a estudar nessas mesmas salas e a frequentar essas igrejas e bibliotecas que agora percorro embasbacado de tanto deslumbre.

Isso ocorreu entre os anos de 1840 e 1845. Graduou-se em Direito por essa mesma faculdade que agora ingresso. Para qualquer acadêmico apreciador de História e Literatura, doutorar-se em uma instituição como essa é um sonho!

Certamente à época de Golçalves Dias e de Goethe, distanciar-se de sua terra para realizar estudos não devia ser um empreendimento fácil (e eu reclamando do meu vôo da TAP de breves 11 horas. Imaginem como deveria ser em 1840!). Também naquela época não havia internet, skype e telefone para amenizar saudades. Apenas o papel e a escrita. E com esses parcos recursos, Gonçalves Dias, em 1843, aqui em Coimbra, fez aquele belíssimo poema, que se tornou um dos maiores símbolos de afirmação da identidade de um país ainda em construção.

Hoje, palmeiras e sabiás podem ser perfeitamente metáforas de tudo que em meu país tem mais: calor, amor, sabor, hospitalidade, tolerância, praias, florestas, bichos, música...

Certamente nunca terei a notoriedade de Gonçalves Dias, mas estudar na mesma universidade que ele estudou há mais de 240 anos faz sentir-me cheio de orgulho. Que o meu caminhar aqui seja de crescimento e, quando eu voltar à minha terra cheia de palmeiras e sabiás, possa eu também fazer ela crescer e se tornar um lugar melhor para se viver. Ok, as coisas não são tão românticas assim, os problemas são vários e tudo parece impossível de se resolver. Mas eu QUERO fazer a diferença, pelo menos no que me couber como cidadão, filho, irmão, amigo, vizinho, policial, professor, chefe, subordinado...

Então, voltando à visita guiada que nos foi proporcionada após a aula inaugural, acredito que três lugares merecem destaque e valem a pena eu compartilhar aqui.

Após a aula, fomos "entregues" a uma mulher muito simpática que foi nossa guia turística na visita aos espaços históricos da Faculdade de Direito. De início, uma coisa que gostei de saber é que nos primórdios da Universidade de Coimbra, onde hoje é a Faculdade de Direito, havia uma palácio real e durante muito tempo ele funcionou juntamente com a universidade. Por isso que junto à Faculdade há igrejas e tudo é tão pomposo. Isso explica também porque há, nas salas mais antigas, um tipo de "camarote" ao alto do lado contrário à lousa. A guia nos falou que esses espaços eram destinados à fiscalização das aulas, realizadas esporadicamente pelo rei ou pela rainha. Pois é, também fiquei chocado!

Como eu havia dito, três são os pontos altos de qualquer visita a essa parte da Universidade: a Biblioteca Joanina, a Capela de São Miguel e a Sala dos Capelos. Vamos lá!

A Biblioteca Joanina (o nome faz alusão a D. João V, o Magnânimo, o rei mecenas em cujo reinado essa biblioteca foi concluída) integra o conjunto arquitetônico daquela praça principal da Faculdade. Seu exterior é lindo, como abaixo se vê.



Mas a fachada em nada se compara com o seu interior. Ao entrarmos, ficamos meio sem fôlego, pelos detalhes (a maioria em OURO) e pelos móveis e estantes (em madeira NOBRE). Tudo, é claro, proveniente do BRASIL, que naquela época se encontrava no auge da exploração e do extrativismo realizados por uma certa METRÓPOLE. Isso sem falar nos afrescos e pinturas que integram a biblioteca. Além, obviamente, dos livros: um acervo de obras raríssimas, como uma das primeiras edições dos Lusíadas, de Camões. Ah, é possível consultar todo o acervo, com muitos dos livros em latim. Para isso, é claro,você precisa justificar a consulta e utilizar luvas e apetrechos especiais.

As fotos abaixo dão uma ideia, mas nunca a sensação de vê-la em cores, ouro e madeira. O fato de tudo ter vindo do Brasil torna essa sensação estranha, misto de admiração pelo belo e de repúdio por um passado tão inglorioso de nosso país.






Mas o mais inusitado (e confesso que fiquei inicialmente indignado) foi o que a guia nos informou em meio à sua exposição. Certa hora ela nos fez a seguinte pergunta: o que é indesejado e perigoso para uma biblioteca? Pensei várias coisas: fogo, umidade, gente chata conversando alto...

Então ela própria respondeu: insetos, principalmente traças e cupim. Ok, isso é realmente terrível para os livros e a madeira. Entretanto, o método que eles utilizam até hoje, pasmem, é o seguinte: para se combater esses insetos, criamos MORCEGOS aqui dentro da biblioteca. Pensei a princípio que era uma piada, mas não foi.

Segundo ela, os morcegos ficam no alto, atrás das estantes. Por sua natureza, saem apenas à noite, quando comem os insetos. Simples assim! Mas, lembrando do que os morcegos faziam nas paredes da minha casa, logo pensei naquilo que vocês certamente estão pensando. Mas antes de eu perguntar como eles fazem com isso, ela já foi logo nos falando que todos os dias, no início da noite, eles cobrem todas as mesas e cadeiras com um pano (e mostrou o pano) para que as "coisas" não as sujem. Tudo bem que ao tempo de Cabral, D. João V e companhia não houvesse métodos mais eficientes e menos, humm, sujos de combater insetos. Mas hoje?

Depois pensei bem, ah vai, é um método ecologicamente correto e, afinal, estamos em Coimbra. Manter as tradições é a sua marca. Mas se eu tiver que consultar algum livro de lá eu não sento naquelas cadeiras não!!

Após isso fomos a um andar abaixo da biblioteca. Lá há um local com mais livros e onde são feitos reparos e coisas dessa natureza. Um espécie de depósito, mas tudo muito organizado. Mas a surpresa maior foi quando descemos mais um andar. Ela nos apresentou o local onde havia uma Prisão Acadêmica. Sim, naquela época os alunos iam em cana por alguns "delitos". Ficamos curiosíssimos com isso e perguntamos por quais motivos os alunos iam presos. Foi-nos informado que geralmente por faltas e por destruir materiais e livros da universidade. Além disso, era uma espécie de prisão exclusiva para onde eram mandados os integrantes da comunidade acadêmica. Por sorte nossa, não há mais prisões e a cadeia foi desativada há muito tempo! Para quem desejar, um pequeno vídeo com explicações e imagens da inusitada prisão: Prisão Acadêmica de Coimbra

Na sequência fomos para a Capela de São Miguel. Fica localizada também no conjunto que forma a praça. Seu interior é um primor. As paredes são revestidas de azulejos portugueses. O pé direito é bem alto e o altar é belíssimo. Mas o que chama a atenção mesmo é o IMENSO órgão aposto na parede. Pelo que entendi, o órgão não foi feito para aquela capela, que tem dimensões diminutas. Caberia melhor em uma catedral. Mas por megalomania de um rei, foi determinada a sua afixação lá. Olha, o órgão é lindo, acho que o mais belo que já vi, mas, mal comparando, é como colocar um peru para servir em um pires. Mas no final das contas, até que deu um charme especial à capela.



E, para terminar a visita, fomos à famosa e ultratradicional "Sala dos Capelos". A sala mais nobre e prestigiada de toda a universidade, onde, além dos grandes eventos diplomáticos, acontecem as defesas de tese do doutoramento. A entrega de títulos de doutor honoris causa também acontecem aqui. Foi nessa sala que nosso ex-presidente recebeu esse título. Ok, nem tudo é perfeito em Coimbra!

Nessa sala acontecem não apenas as defesas de doutorado em Direito, mas de toda a Universidade de Coimbra. Esse momento parece ser um acontecimento por aqui, cheio de cerimonias e simbolismos. O cenário é mais ou menos o seguinte: há um júri, composto por uns cinco doutores, todos vestindo um traje de capa preta (similar ao dos alunos) e com chapéus (os capelos, que dá nome à sala e é símbolo da sapiência). Há também um tipo de trono (sim, acho que já foi trono de rei mesmo), onde fica sentado o Magnífico Reitor da Universidade, igualmente paramentado e todo de preto. O ambiente é (propositalmente) intimidador!!



A visita ocorreu por um corredor, ao alto, que circunda e dá visão a toda a sala. No momento de nossa visita estava ocorrendo uma defesa. A coitada da doutoranda estava como que num banco dos réus, isolada no centro da sala e sentada de frente para a banca de defesa (o júri). A sala é muito alta e não há muita iluminação. Na mesa onde ela estava sentada havia um abajour, com uma luz fraca, o que deixava o clima ainda mais sinistro. A guia fez questão de ressaltar uma coisa: "notem que o júri posiciona-se em um local elevado. De onde o candidato está ele fica na altura de onde estão os pés dos membros do júri, significando que ele ainda não se encontra no mesmo nível dos doutores". Que medo!!! Nem gosto de pensar nisso agora. Daqui a cinco anos será a minha vez. Comecei a rezar desde aquele dia!

Bem, é isso! Agora basta estudar (muito) e tentar aproveitar tudo por aqui. Como disse, espero voltar uma pessoa melhor para o Brasil. Mas, de qualquer forma, voltar! Certamente esse também foi o desejo de Gonçalves Dias quando por aqui esteve. Tanto que deixou isso registrado nos mais bonitos versos de seu poema:

    "Não permita Deus que eu morra,
     Sem que eu volte para lá;
     Sem que desfrute os primores
     Que não encontro por cá;
     Sem qu'inda aviste as palmeiras,
     Onde canta o Sabiá."

Pobre Gonçalves Dias, que não teve sua prece atendida e, por ironia do destino não conseguiu, em seu regresso ao Brasil, avistar palmeiras e ouvir sabiás. Morreu em 1864, em um naufrágio na costa brasileira, após voltar da Europa onde esteve para tratamento de saúde. Salvaram-se todos, exceto o poeta, que foi esquecido agonizando em seu leito e se afogou.

O céu há de ser um lugar democrático e feliz. Graciliano Ramos reservou até um pedaço dele, creio de preás, para que descansasse sua sofrida cachorra Baleia. Para Gonçalves Dias, assim como para todos nós, o céu é a nossa verdadeira terra natal, para onde todos desejamos e iremos um dia voltar. Lá deve haver uma floresta de frondosas palmeiras, onde em dias ensolarados e de céu azul os sabiás devem voar e cantar juntamente com um coro de anjos de cabelos encaracolados... Amém!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Onde Harry Potter canta fado


Hoje faz exatamente duas semanas que cheguei a Coimbra. No calendário dos dias comuns e de rotina, um curto intervalo que separa duas quartas-feiras. Mas para mim essas semanas ocorreram em uma dimensão absurdamente lenta, que os fizeram parecer meses.  Tanto coisa, tanta novidade, pessoas e costumes novos, providências burocráticas e consulares, enfim, o tempo é realmente algo relativo e vivenciado subjetivamente, apesar de exato e inexorável.

Mas voltemos ao fio da meada. Fiquei de relatar como foi a aula inaugural do doutorado. Pois bem, após estrear o meu novíssimo e lusitano ferro de passar roupas, deixando meu terno em condições de uso, preparei-me com o devido formalismo para a aula inaugural. Com exceção da farda que uso no dia-a-dia, estou acostumado a trajes mais informais. E até pensei em ir dessa forma. Parei. Refleti: estou indo para a aula inaugural do doutoramento em uma faculdade que tem 700 anos de existência! O ferro foi de fato imprescindível!!!

Modéstia a parte, fui todo elegante em direção à secular universidade. Era um dia ensolarado e os poucos metros que me separavam da Faculdade de Direito foram percorridos com orgulho e cabeça erguida. Não foi fácil chegar até aqui. Acredito que para sair será ainda mais difícil, mas vontade e perseverança não me faltarão.

A subida (sim, tudo aqui ou sobe ou desce) foi ao longo de um caminho que margeia um aqueduto, que remonta ao tempo do Império Romano (pra se ver como as coisas aqui são remotas), e que abastecia a parte alta da cidade. Lindo, como aqui em baixo se pode ver:


Chama-se Aqueduto de São Sebastião, popularmente conhecido como os Arcos do Jardim, por se localizar em frente ao Jardim Botânico da cidade.

Chego então à entrada da Faculdade de Direito. A primeira coisa com que se depara é um portal, com uma belíssima e (mais uma vez) antiquíssima porta férrea, datada de 1634, que emblematicamenta dá acesso à parte mais antiga da Universidade de Coimbra, onde se localiza também a Faculdade de Direito.

Transposto esse monumento, visualizamos uma belíssima praça, o centro histórico da Universidade e também local onde funcionava um palácio real. Vê-se inúmeros grupos de turistas a se misturar com os estudantes. Um clima bem diferente. Essa torre do relógio é um marco na cidade.



Após, obviamente, me perder dentro de um labirinto de corredores e salas, chego onde começa minha história em Coimbra. Deparo-me com algumas pessoas a aguardar em frente à sala destinada para tal. Quando entramos, enquanto tudo era preparado, tentávamos fazer contato, e logo uma mulher que sentou ao meu lado puxou assunto (chama-se Cláudia, e prevejo que seremos grandes amigos): Você é de onde? Chegou a muito tempo? E coisas assim...

Quando a mesa foi então composta, silêncio! Ao centro, uma mulher, a diretora da Faculdade de Direito. Em 700 anos de história, essa é a primeira vez que uma mulher ocupa esse cargo. Mas os avanços param por aí. Tenho descoberto que aqui o tradicional é a regra! Mudanças não são tão freqüentes. Um exemplo: “nunca antes” na história da faculdade houve um professor que não fosse português e que não tivesse tido toda sua formação acadêmica na própria Faculdade de Direito de Coimbra. Essa é apenas uma entre muitas outras coisas que estou descobrindo e que certamente descobrirei. Algumas me chocam, pelo menos por enquanto.

Outros dois professores sentaram-se ao seu lado. Quando começaram a falar, começaram os meus problemas: meu Deus, que idioma aquelas pessoas estavam falando? Pensei que a Língua Portuguesa fosse uma só e que na sua origem fosse ainda mais genuína e clara.

A primeira coisa que se descobre quando se chega a Portugal é que se justifica plenamente a diferença que vemos em computadores e programas de informática, quando há as opções: “Português de Portugal” e “Português do Brasil”?

Olha, eu juro, do que foi falado naquele dia, eu entendi apenas uns 40%. Quando Fernando Pessoa falava que “Minha pátria é a Língua Portuguesa” eu cheguei a acreditar que tinha dupla nacionalidade e que minha aventura por aqui seria tranqüila em relação ao idioma. Naquele momento foi meio desesperador, mas agora percebo que tudo é uma questão de costume e estar atendo ao sotaque carregadíssimo deles e a algumas palavras cujo sentido são diferentes ou mesmo únicos por aqui.

Bem, após o falatório, e para encerrar, um momento lúdico: a apresentação de um trio de alunos da faculdade (muito novos, com cerca de 20 anos) que tocaram e cantaram fado para os presentes. Aparentemente, algo simples, mas não na Universidade de Coimbra. Os três estavam trajados com a indumentária própria dos alunos de Coimbra: um tipo de terno preto com camisa social branca por baixo e uma capa preta nos ombros. Esse traje é uma das coisas mais inusitadas de Coimbra. Achei essa foto na internet, não são os alunos daquele dia, mas era exatamente assim que eles estavam:


Descobri que esse traje já foi obrigatório por aqui (até a década de 1970). Hoje ele deve ser obrigatoriamente utilizado para representações oficiais da universidade, como o caso do trio que cantou fado, como também no que eles chamam de praxe: o nosso famoso trote nos calouros. Vê-se muito nesse período do ano vários grupos de veteranos, devidamente trajados, fazendo com que os calouros cantem pelas ruas, realizem exercícios físicos ou mesmo sendo colocados em posições vexatórias. É, a imbecilidade humana não tem fronteiras!

Uma curiosidade: esse traje típico dos alunos de Coimbra inspirou a autora de Harry Potter a criar o uniforme dos alunos da escola de magia Hogwards. A autora, JK Rowling, viveu por alguns anos antes de começar a escrever Harry Potter como professora de inglês na cidade do Porto, Portugal.  Um vez aqui, teve contato com esse uniforme e com algumas estórias de Coimbra. Pronto, bastou inspiração e mais alguns anos para ela ficar multimilionária.  Já pensou se passo por esse processo?? Chega de devaneios. Ah, no filme há também outras semelhanças com o (antigo) estilo acadêmico de Coimbra. Meu blog também é cultura (ainda que inútil).
Atualmente, essa cena é comum na universidade. Mochilas e trajes de Harry Potter. Inusitado, não?Mira o estilo da senhorita...


Voltando ao fado, foi belíssimo! Foram umas três canções, em que um cantava (divinamente) e os outros dois tocavam dois tipos de violão. Fiquei emocionado de tão bonito!

Ah, outra tradição: na hora de cantar e tocar, a capa deve ser envolvida no pescoço, como se fosse uma echarpe. Como  estavam os alunos de duas fotos atrás. E também, de acordo com os costumes, a capa que se sobrepõe ao uniforme nunca deve ser lavada. Eu vi cada uma pelas ruas...

Apesar de jovens, os alunos tocavam e cantavam com vontade e verdade, sem se intimidar com os presentes ou os com os professores (doutores). Pareciam estar orgulhosos de realizar aquilo. O lado bom da tradição. Bonito de se ver! Ao final, fizeram até um grito de guerra típico, gritando aos berros umas frases que não entendi direito. Mais tradição...

Após isso, passamos a uma visita guiada às instalações (não, essa palavra não deveria ser aplicada aqui) melhor seria, aos monumentos que integram a Faculdade de Direito, que também já foi palácio real.

Aqui... tem tanta coisa legal dessa visita pra contar, mas já é tarde e meus olhos ardem.

Mas antes termino com um poema que tem me feito refletir sobre (os encantos de) minha terra:


Canção do exílio

"Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá."


                              Gonçalves Dias

Quem nunca ouviu esses emblemáticos versos que, segundo me lembro das aulas de literatura, faziam parte do primeiro movimento do Romantismo brasileiro, no século XIX. Mas qual sua correlação com este blog? E com este que o escreve? Além da óbvia alusão à saudade e aos encantos da pátria natal, que também sinto por agora, descobri nesses dias que tenho algo em comum com Gonçalves Dias. Revelo-o no próximo post.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Começou...

Enfim, tenho condições físicas e mentais de começar este blog, um espaço idealizado para ser o relato de uma experiência sabática: a realização de um doutorado – ou doutoramento, como se diz por aqui – em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal.

Já o deveria ter começado há mais tempo, meio que no calor dos acontecimentos, mas as contingências e burocracias para a minha mudança de Vitória, no Espírito Santo/Brasil, para Coimbra/Portugal, foram deveras limitadoras de qualquer ânimo ou inspiração para ideias que fossem dignas de se compartilhar com outros leitores. Não que agora elas tenham tal qualidade, mas essa será uma constante intenção de uma mente agora  (+ ou -) sã.

O adjetivo “sabático”, para quem ainda não o conhece, refere-se a um período de afastamento das atividades regulares para a vivência de uma experiência diferente das que usualmente você desempenha no seu dia-a-dia. Dizem que isso é salutar e nos torna pessoas melhores. Estou embarcando nessa agora, ao final poderei dizer (ou sentir)!
Bem, minha ocupação principal relaciona-se ao cargo de Capitão da Polícia Militar do Espírito Santo. Para quem ainda não me conhece, espero que isso não seja motivo de rótulos ou estereótipos. A despeito do senso-comum, dê-me um voto de confiança. Pretendo postar (relatar), de forma despretenciosa, as minhas impressões, reflexões e experiências culturais, acadêmicas e, por que não, antropológicas vivenciadas neste país. Afinal, estarei em terras de nossos colonizadores (já descobri que eles não gostam muito desse termo), e será estimulante observar a cultura e o modo de vida português, conhecido por mim apenas dos livros de história e das anedotas populares.

Pois bem, agora, passada uma semana desde minha chegada a Coimbra, posso ver em retrospectiva as emoções e condições de minha mudança de uma forma mais clara e interessante. Passado o didatismo dessas linhas introdutórias, o objetivo destes tópicos iniciais é, portanto, relatar como foram os primeiros dias desde minha partida.

Após muitas festas e encontros de “despedida” com amigos e familiares, todas muito emocionantes (a sensação de ser querido por tantos fez-me sentir uma imensa felicidade!), quarta-feira, dia 04/10/2011 foi o dia “D”: minha partida!!!
De modo especial, marcou-me o momento em que, com as malas prontas, na sala de minha casa, encontravam-se a rezar eu, meu pai, minha mãe e minha avó materna, pessoas que amo, admiro e respeito para além de qualquer limite.  Os sentimentos eram tão verdadeiros (mal conseguíamos pronunciar as palavras)  que me senti de fato abençoado e protegido para enfrentar tudo o que viesse a ocorrer comigo a partir daquele momento.
Para tornar as coisas um pouco mais difíceis para mim, nesse dia chovia bastante em Vitória. Não a ponto de inviabilizar meu vôo, mas para me deixar com as emoções ainda mais a flor da pele. Na linguagem do cinema, a maioria das vezes em que se utiliza chuva nas cenas é para remeter o espectador a um clima/estado de melancolia. Não preciso dizer mais nada, havia sempre uma lágrima tendendo a cair. E em alguns momentos caíram mesmo. Piegas? Pode ser, mas, perdoem-me, poucas vezes me senti assim. Acho que tenho esse direito aqui!
E por falar em cinema, sempre me emociono ao (re)ver um filme chamado “Simplesmente amor”, de 2003 (a tradução deixa bem a desejar. No original: Love Actually). Ele termina com cenas de reencontros de pessoas no aeroporto. Não há palavras ou diálogos, apenas música e anônimos de muitas etnias se reencontrando no salão de desembarque de um grande aeroporto de Londres.

Sempre achei aeroporto um lugar paradoxal: um ambiente normalmente frio e tumultuado, mas com a emoção em suspenso no ar devido a despedidas e reencontros de gente querida. E lá em Vitória, no dia 04 de outubro de 2011, havia gente querida e amada a se despedir de mim. Senti a força e energia que sempre admirava naquele filme, agora em minha vida.
Bom, tirando esse lado lúdico, a melancolia da chuva e meu estado emocional, aeroporto volta a ser um lugar frio e tumultuado, e a cada dia mais. Poupo-lhes dos fatos desinteressantes de um vôo internacional. Não há mais o glamour de outrora. Nem vivi esse tempo para ser saudosista dessa forma, mas posso imaginar. E em nada deve se comparar a viajar hoje em dia. Aperto, desconforto, gente mal educada, falta de gentileza de comissários e passageiros, comida muito ruim, etc, etc. Sem esnobismos: ainda hei de ter dinheiro para viajar só de primeira classe!
Mas enfim, o vôo da TAP cumpriu sua função e me deixou em Lisboa, às 07:00h da manhã do dia 05 de outubro de 2011. Sem conhecer nada e ninguém, peguei minhas duas malas pesadíssimas (para viver pelo menos dois anos, imagina o que não levei...) e peguei um taxi para e estação de trem, de onde eu iria ainda viajar mais 2 horas até Coimbra. Sem ter dormido direito no vôo (estou ficando imune aos efeitos do Dramim), imaginem meu estado. Mas o que importa é que após quase 22 horas de viagem, cheguei (ou o que sobrou de mim) a meu destino final: Coimbra, a cidade muralhada, como dizem aqui.
Havia reservado uns seis dias de hotel para, nesse intervalo, conseguir um apartamento para alugar e me instalar definitivamente. Pensei que seria fácil; tremendo engano. Mas isso é um capítulo a parte. Na sexta-feira, dia 07, houve a aula inaugural do doutoramento. Começaram alguns problemas: como e onde passar meu terno?  Enfiado numa mala, imaginem a situação em que ele chegou. Solução: comprar um ferro de passar! Meu primeiro bem adquirido em Portugal.

Acho que esse primeiro post está ficando grande demais. Melhor parar. Deixa para o próximo o meu primeiro contato formal com a universidade (a aula inaugural) e minhas (des)aventuras para alugar meu primeiro apartamento em Coimbra. Sim, foram necessários 36 anos para que o jovem aqui saísse da casa dos pais para morar sozinho pela primeira vez. Ah, mas lá era tão bom...