Tudo começou com ares românticos: o
regresso às origens e a realização de uma Copa do Mundo no país do futebol; o
amor idealizado ao hexacampeonato; uma seleção de heróis que iria redimir, num
misto de tradição e talentos individuais, o temor do insucesso da falta de
infraestrutura e da preparação intempestiva dos estádios; heróis nacionais que
não deixariam, é claro, de lutar contra moinhos de ventos, impedindo-os de
soprar outro maracanaço em terras
tupiniquins. Mas o futebol jogado na Copa do Mundo de 2014 não seguiu o script
romântico. Preferiu flertar com o barroco e o surrealismo, tendendo ao final
para o impressionismo alemão. Pelo menos nesse esporte, o embate entre as
nações foi uma mistura de estilos que não respeitou o determinismo norte/sul,
centro/periferia, metrópole/colônia; mostrou-se uma Copa do Mundo pós-Moderna na
qual a incerteza tornou-a tão bela.
No primeiro ato do espetáculo, destaque
para o grupo da morte. Batizar-lhe assim já trazia em si o tom barroco que se
dava ao início do enredo. A vida e a morte sendo jogadas pelas luminosas
seleções da Itália, Inglaterra e Uruguai. Entre elas insurgia-se uma tímida e
cinzenta Costa Rica. E nesse contraste entre luz e sombra, o gris costa-riquenho
e o celeste uruguaio ascenderam ao relicário do futebol. Acentuando os
contrastes, além de Itália e Inglaterra, a favorita Espanha desceu do altar e juntou-se
precocemente aos mortais espectadores.
Enquanto isso a seleção brasileira fazia
sua atuação mambembe. Sem um roteiro convincente, apresentava-se inconstante. O
elenco era respeitável, havia protagonistas de peso, mas o espetáculo não
convencia. A plateia fazia que gostava, afinal, a cada ato, percebia que algum
protagonista merecia aplausos. Mas reconheciam que o conjunto da obra era ruim.
Lá pela página 200, quando o romance já
aborrecia, o enredo deu uma reviravolta. Abandonou o romantismo e o barroco.
Tingiu-se de tons trágicos e surreais. Num jogo, o ator principal caiu no chão
agonizando. Levara um joelhada nas costas e fraturou a vértebra. Noutro, um
jogador uruguaio dá uma dentada no adversário. Nada mais Salvador Dali, com um certo
toque freudiano.
Mas o anticlímax da obra ocorre no
penúltimo capítulo. Mistura de tragédia grega com surrealismo, o anfitrião
agoniza diante de sete gols da Alemanha. O país cujo passado lhe impõe o temor pelo
nacionalismo, liberta-se em catarse histórica e massacra sem culpa o adversário
com sorriso no lábios e aplauso da plateia. Mostra ao mundo que trabalho,
educação e seriedade, temperados com a alegria dos trópicos, são capazes
reinventar uma nação por meio do futebol. Numa espécie de síndrome de
Estocolmo, até mesmo o povo brasileiro, vítima da derrota acachapante, passa a
venerar e torcer pelo seu algoz.
Daí veio o capítulo final, em que hermanos e alemães decidiram a taça.
Para felicidade brasileira, o impressionismo alemão venceu. Não houve maracanaço,
mas dança alemã-pataxó para comemorar a conquista da taça dentro do Maracanã.
Por esses e muitos outros motivos, dizem que essa foi a Copa das Copas. Não sei
se em relação à qualidade do futebol, que parece ser coisa mais séria. Mas talvez
o sucesso da Copa do Mundo de 2014 sirva para mostrar que roteiro linear e
previsível, e jogo de cartas marcadas, já não fazem mais sucesso. Isso nas
artes já foi descoberto faz tempo, apesar de insistirem em folhetins
modorrentos, como os de Manuel Carlos. O ideal romântico do Leblon tornou-se
chato demais. Todos agora preferem o ritmo e a conectividade de Avenida Brasil. Em vez de investir num
roteiro Disney, escolhendo Dunga para o comando da seleção brasileira, poderiam
chamar o João Emanuel Carneiro. Carminha é mais verossímil que Helena e Branca
de Neve.
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