Não teve jeito, neste mês de dezembro não deu para manter a média de três posts mensais, como tem sido a prática desde o longínquo outubro de 2011, quando essa história aqui começou. Com artigos do doutorado para escrever, com preparativos e viagens de fim de ano, faltaram-me tempo e inspiração para atualizar este espaço que foi, nos últimos meses, o local de prazeroso compartilhamento das emoções que marcaram minha experiência de instalação em Coimbra.
Neste último dia de 2011, faço apenas um agradecimento coletivo pela atenção e pelos gentis comentários e visitas a este modesto blog. Em 2012, espero contar com a digníssima companhia de todos que até aqui prestigiaram essas minhas mal traçadas linhas.
Aproveito também para dizer que estou em Paris. E não passarei o réveillon em frente à Torre Eiffel! Ficarei muito bem acompanhado, e sem qualquer tipo de esnobismo, no quarto do hotel. Passei do tempo de estar no meio de uma multidão de anônimos (ainda mais com chuva e frio), apenas para dizer que "I was there".
Com um pouco mais de idade, começo a dar valor a outras coisas. O simbolismo da data e do local não competem com o prazer de estar na companhia tranquila e agradável de entes queridos. Com eles, qualquer quarto de hotel, ainda mais quando se pode também ter a oportunidade de comer queijos e doces franceses e tomar champagne (com toda a pompa e sabor que esse nome confere a um espumante), se tornam o melhor lugar do mundo para uma virada de ano.
É isso... já acabou... o post e o ano. Agora é hora de recomeçar tudo de novo. Novos planos, promessas, dietas... tudo que (provavelmente) não funcionará nem dará certo.
Jogar tudo isso para o futuro (ano) - ou para o passado, como genialmente nos mostra Woody Allen com seu "Meia noite em Paris - é comum, tranquilizador e, de certa forma, nos liberta um pouco da herança de Sísifo, o humano eternamento condenado pelos deuses a rolar ladeira acima uma enorme pedra que, ao atingir o cume da montanha, rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida, tendo que (re)começar assim todo o processo.
Sísifo, por Tiziano, 1549.
Parte da metáfora é para nos dizer que, infelizmente, não temos a liberdade própria dos deuses (gregos). Somos rotineiramente humanos, limitados pelos dias e anos que teimam em começar e acabar. O que temos de fato é o presente, que a cada segundo se torna passado.
Mas o que nos faz sobreviver ao eterno esforço de rolar a vida pelos anos afora?
Além dos "sabores de infância", outra coisa que nessa empreitada faz a vida ficar mais leve, suportável e, por que não, feliz, é a presença (carinho, ajuda...) dos que nos amam.
Por isso é que, no dia 31 de dezembro de 2011, quando der meia noite em Paris, estarei fisicamente junto a alguns deles e espiritualmente ligado a todos que no mundo eu quero bem.
Feliz 2012!!!
sábado, 31 de dezembro de 2011
domingo, 4 de dezembro de 2011
Anyway the wind blows
Imagine se o mundo fosse uma caverna, na qual as pessoas estivessem acorrentadas, imóveis e de costas para a sua única entrada. Entre elas e o exterior haveria um grande muro, sobre o qual um feixe de luz adentraria à caverna, possibilitando que as pessoas em seu interior visualizassem apenas as sombras projetadas na parede à sua frente das coisas existentes no exterior dessa caverna. Ou seja, sombras do que "realmente" haveria lá fora. O que se ouve são apenas ecos de sons igualmente exteriores. Como as pessoas nasceram e cresceram sob essa condição, o que elas vêem, portanto, são apenas reproduções imperfeitas de algo inacessível a elas. Todos acreditam que o que existe no mundo são apenas os ecos e as sombras projetadas na parede à sua frente.
A princípio não há observador externo para constatar tal situação e denunciá-la. Todos estão presos a essa condição (humana?). Ocorre que, por alguma razão, uma dessas pessoas decide e consegue, com muita dificuldade, libertar-se dos grilhões, escalar o muro a sua retaguarda e ir em direção ao exterior da caverna. Seus olhos ficam por alguns instantes ofuscados, mas logo se apercebe que existe um mundo cheio de cores, cheiros e sensações, muito diferente das opacas e distorcidas sombras projetadas na parede da caverna. Ele então decide voltar e contar o que viu a seus companheiros que permaneceram acorrentados àquela situação de escuridão. Porém, todos recusam-se a acreditar em seu relato. Alguns o ignoram, outros passam a chamá-lo de louco, outros de herege, outros até o condenam à morte, pois o que ele diz é absolutamente subversivo à "vida" que todos confortavelmente levam.
Não, esse exercício imaginativo não foi proposto por mim. Como muitos já sabem, isso é obra de um gênio: um filósofo que viveu há mais de 2400 anos, chamado Platão. Trata-se de sua famosa "alegoria da caverna", uma poderosa metáfora que pretende apresentar e denunciar uma condição humana à qual estaríamos irremediavelmente "presos". Como isso Platão propõe uma igualmente famosa dicotomia: haveria um "mundo das ideias" (imutável e verdadeiro) e um "mundo real" (das coisas sensíveis e transitórias).
Para além das implicações profundamente filosóficas dessa alegoria (que não cabem nem são pertinentes a esse momento), fiquemos apenas com o convite imaginativo feito por Platão para analisarmos nossa condição humana prisioneira de certas situações (preconceitos, crenças, ideologias, massificação cultural, discursos únicos de verdade, etc, etc) que nos impedem de ver um mundo (verdadeiro?) por outra perspectiva. Muitas vezes o que parece ser, não é! E para percebermos isso, é preciso que sejamos despertados de uma condição confortável e prisioneira perante a "realidade".
Na história do mundo (e da filosofia) existem muitos casos em que quem se atreveu a fazer isso, escalando dolorosamente o muro que o separava do exterior da caverna, e vendo um mundo de forma diferente, foi considerado louco ou mesmo executado. A figura mais emblemática e vítima dessa situação foi Sócrates, morto pelos cidadãos de Atenas, sob a alegação de corromper a mente dos mais jovens. Só para dar visual a esse post excessivamente textual, abaixo uma belíssima pintura, feita por Jacques-Louis David, em 1787, que retrata a morte de Sócrates:
Na figura, Platão está melancolicamente sentado a beira da cama e Sócrates, prestes a tomar veneno (cicuta), aponta para o céu e, em um ato de coragem, prefere a morte ao exílio.
A metáfora proposta por Platão é tão poderosa que perpassa toda a história humana, sendo recriada nas mais diferentes manifestações artísticas, desde a pintura, literatura e, mais recentemente, o cinema e até a música. Para citar alguns exemplos: "Alice no país das maravilhas", de Lewis Carroll; e o espetacular, e mais explícito na referência à proposta de Platão, filme "Matrix" (só o primeiro, pois as sequências são dispensáveis).
Mas o objetivo de toda essa elucubração que trago neste post é minha mais recente (e feliz) descoberta de referência à metáfora de Platão. Para desanuviar a cabeça, e de maneira absolutamente despretensiosa, fui assistir ao espetáculo "We will rock you", no West End londrino (algo similar à Broadway norteamericana). Trata-se de um musical com músicas da banda de rock "Queen". Pensei que seria uma colagem de músicas e que não haveria um enredo a (inter)ligá-las. Para minha surpresa, pude constatar um espetáculo teatral com explícita referência a Platão.
Eis a sinopse do espetáculo, retirada do site da peça (em uma tradução livre):
(Em todos os lugares, as crianças assistem aos mesmos filmes, usam a mesma moda e pensam os mesmos pensamentos. É um seguro e feliz mundo Ga Ga. A menos que você seja um rebelde. A menos que você queira Rock. No Planeta Mall, todos os instrumentos musicais são banidos. Os computadores da empresa geram músicas e todos fazem downloads delas. É uma época de "Boy Bands" e "Girl Bands". De "Boy and Girls Bands". De "Girl Bands" com alguns garotos que parecem garotas. Nada é deixado ao acaso, sucessos são programados com anos de antecedência).
Enfim, não seria possível relatar aqui a beleza que o musical é desde sua concepção à sua realização. As músicas encaixam-se perfeitamente à estória criada. E nessa estória, há um herói (não por acaso chamado de Galileo). Herói porque ele é aquele que se aventura a ir além da caverna, escalar o muro e ver que "lá fora" há um mundo além daquele pré-pensado e propositalmente criado por pessoas que dominam as demais. E que a "verdade", no caso da peça, está na inspiração e na sensibilidade de artistas ("de verdade"), que tocam instrumentos ("de verdade") e que expressam emoções ("de verdade").
A repetição e destaque do termo "verdade" não são irrelevantes. Afinal, apesar de todas as significações desse termo, essa é a busca de filósofos e, por que também não, de artistas e poetas. Basta lembrar Cazuza, com sua música "O poeta não morreu". Aliás, proponho a (re)leitura da letra dessa música com os olhos agora iluminados pelas ideias trazidas neste post:
A princípio não há observador externo para constatar tal situação e denunciá-la. Todos estão presos a essa condição (humana?). Ocorre que, por alguma razão, uma dessas pessoas decide e consegue, com muita dificuldade, libertar-se dos grilhões, escalar o muro a sua retaguarda e ir em direção ao exterior da caverna. Seus olhos ficam por alguns instantes ofuscados, mas logo se apercebe que existe um mundo cheio de cores, cheiros e sensações, muito diferente das opacas e distorcidas sombras projetadas na parede da caverna. Ele então decide voltar e contar o que viu a seus companheiros que permaneceram acorrentados àquela situação de escuridão. Porém, todos recusam-se a acreditar em seu relato. Alguns o ignoram, outros passam a chamá-lo de louco, outros de herege, outros até o condenam à morte, pois o que ele diz é absolutamente subversivo à "vida" que todos confortavelmente levam.
Não, esse exercício imaginativo não foi proposto por mim. Como muitos já sabem, isso é obra de um gênio: um filósofo que viveu há mais de 2400 anos, chamado Platão. Trata-se de sua famosa "alegoria da caverna", uma poderosa metáfora que pretende apresentar e denunciar uma condição humana à qual estaríamos irremediavelmente "presos". Como isso Platão propõe uma igualmente famosa dicotomia: haveria um "mundo das ideias" (imutável e verdadeiro) e um "mundo real" (das coisas sensíveis e transitórias).
Para além das implicações profundamente filosóficas dessa alegoria (que não cabem nem são pertinentes a esse momento), fiquemos apenas com o convite imaginativo feito por Platão para analisarmos nossa condição humana prisioneira de certas situações (preconceitos, crenças, ideologias, massificação cultural, discursos únicos de verdade, etc, etc) que nos impedem de ver um mundo (verdadeiro?) por outra perspectiva. Muitas vezes o que parece ser, não é! E para percebermos isso, é preciso que sejamos despertados de uma condição confortável e prisioneira perante a "realidade".
Na história do mundo (e da filosofia) existem muitos casos em que quem se atreveu a fazer isso, escalando dolorosamente o muro que o separava do exterior da caverna, e vendo um mundo de forma diferente, foi considerado louco ou mesmo executado. A figura mais emblemática e vítima dessa situação foi Sócrates, morto pelos cidadãos de Atenas, sob a alegação de corromper a mente dos mais jovens. Só para dar visual a esse post excessivamente textual, abaixo uma belíssima pintura, feita por Jacques-Louis David, em 1787, que retrata a morte de Sócrates:
Na figura, Platão está melancolicamente sentado a beira da cama e Sócrates, prestes a tomar veneno (cicuta), aponta para o céu e, em um ato de coragem, prefere a morte ao exílio.
A metáfora proposta por Platão é tão poderosa que perpassa toda a história humana, sendo recriada nas mais diferentes manifestações artísticas, desde a pintura, literatura e, mais recentemente, o cinema e até a música. Para citar alguns exemplos: "Alice no país das maravilhas", de Lewis Carroll; e o espetacular, e mais explícito na referência à proposta de Platão, filme "Matrix" (só o primeiro, pois as sequências são dispensáveis).
Mas o objetivo de toda essa elucubração que trago neste post é minha mais recente (e feliz) descoberta de referência à metáfora de Platão. Para desanuviar a cabeça, e de maneira absolutamente despretensiosa, fui assistir ao espetáculo "We will rock you", no West End londrino (algo similar à Broadway norteamericana). Trata-se de um musical com músicas da banda de rock "Queen". Pensei que seria uma colagem de músicas e que não haveria um enredo a (inter)ligá-las. Para minha surpresa, pude constatar um espetáculo teatral com explícita referência a Platão.
Eis a sinopse do espetáculo, retirada do site da peça (em uma tradução livre):
The time is the future, in a place that was once called Earth. Globalisation is complete. (O tempo é o futuro, em um planeta que um dia foi chamado Terra. Globalização está completa.)
Everywhere, the kids watch the same movies, wear the same fashions and think the same thoughts. It’s a safe, happy, Ga Ga world. Unless you’re a rebel. Unless you want to Rock. On Planet Mall all the musical instruments are banned. The Company Computers generate tunes and everybody downloads them. It is an age of Boy Bands and of Girl Bands. Of Boy and Girl Bands. Of Girl Bands with a couple of boys in them that look like girls anyway. Nothing is left to chance, hits are scheduled years in advance.(Em todos os lugares, as crianças assistem aos mesmos filmes, usam a mesma moda e pensam os mesmos pensamentos. É um seguro e feliz mundo Ga Ga. A menos que você seja um rebelde. A menos que você queira Rock. No Planeta Mall, todos os instrumentos musicais são banidos. Os computadores da empresa geram músicas e todos fazem downloads delas. É uma época de "Boy Bands" e "Girl Bands". De "Boy and Girls Bands". De "Girl Bands" com alguns garotos que parecem garotas. Nada é deixado ao acaso, sucessos são programados com anos de antecedência).
Enfim, não seria possível relatar aqui a beleza que o musical é desde sua concepção à sua realização. As músicas encaixam-se perfeitamente à estória criada. E nessa estória, há um herói (não por acaso chamado de Galileo). Herói porque ele é aquele que se aventura a ir além da caverna, escalar o muro e ver que "lá fora" há um mundo além daquele pré-pensado e propositalmente criado por pessoas que dominam as demais. E que a "verdade", no caso da peça, está na inspiração e na sensibilidade de artistas ("de verdade"), que tocam instrumentos ("de verdade") e que expressam emoções ("de verdade").
A repetição e destaque do termo "verdade" não são irrelevantes. Afinal, apesar de todas as significações desse termo, essa é a busca de filósofos e, por que também não, de artistas e poetas. Basta lembrar Cazuza, com sua música "O poeta não morreu". Aliás, proponho a (re)leitura da letra dessa música com os olhos agora iluminados pelas ideias trazidas neste post:
O poeta está vivo
(Cazuza)
Baby, compra o jornal
E vem ver o sol
Ele continua a brilhar
Apesar de tanta barbaridade...
E vem ver o sol
Ele continua a brilhar
Apesar de tanta barbaridade...
Baby escuta o galo cantar
A aurora dos nossos tempos
Não é hora de chorar
Amanheceu o pensamento...
A aurora dos nossos tempos
Não é hora de chorar
Amanheceu o pensamento...
O poeta está vivo
Com seus moinhos de vento
A impulsionar
A grande roda da história...
Com seus moinhos de vento
A impulsionar
A grande roda da história...
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo
Com seus moinhos de vento...
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo
Com seus moinhos de vento...
Se você não pode ser forte
Seja pelo menos humana
Quando o papa e seu rebanho chegar
Não tenha pena...
Seja pelo menos humana
Quando o papa e seu rebanho chegar
Não tenha pena...
Todo mundo é parecido
Quando sente dor
Mas nú e só ao meio dia
Só quem está pronto pro amor...
Quando sente dor
Mas nú e só ao meio dia
Só quem está pronto pro amor...
O poeta não morreu
Foi ao inferno e voltou
Conheceu os jardins do Éden
E nos contou...
Foi ao inferno e voltou
Conheceu os jardins do Éden
E nos contou...
Por falar em canções, o clímax do espetáculo não ocorreu na música "We will rock you", mas na canção "Bohemian Rhapsody". Penso que foi essa a música que inspirou a criou o enredo da peça. Uma obra-prima de Freddie Mercury, composta em 1975 e de versos enigmáticos (uma das possibilidades de leitura também os associam à "alegoria da caverna" e à dicotomia "mundo real"/"mundo de aparências"). Elementos que se juntam a esse para tornar essa música uma obra-prima do rock são os seus acordes, que suscitam emoções variadas, e a potência e emoção da interpretação de Freddie Mercury.
É claro que, como tudo na vida, múltiplas interpretações são possíveis acerca de uma mesma obra. Ainda mais no mundo da arte. E minha leitura de "We will rock you" (e de Cazuza) pode estar por demais "filosófica".
Quem sabe não é nada disso. Quem sabe não exista essa estória de caverna e Platão estivesse completamente enganado. Quem sabe basta olharmos para trás e ver que não há muro algum, que não há corrente alguma a nos prender. Quem sabe Aristóteles é que estivesse correto, apontando para o chão e não para o céu...
De qualquer forma, em meio a tanta incerteza, fico com os últimos e singelos versos de Bohemian Rhapsody, que tão poeticamente encerraram o espetáculo e que tiveram um profundo significado para mim naquele momento. Afinal, quer estejamos prisioneiros em uma caverna escura (com fantasmas a nos apavorar de quando em vez), quer estejamos em planícies verdejantes e ensolaradas: "Anyway the wind blows"...
p.s. 1) Segue abaixo uma interpretação primorosa de Bohemian Rhapsody e, logo após, um trailer do espetáculo "We will rock you".
p.s. 2) Só para aqueles não próximos à Língua Inglesa e que porventura não tenham entendido o título desde post. Nada de mais singelo: "De qualquer forma o vento sopra"
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